É difícil escolher livros de cabeceira. Na verdade nunca tive livros que me arrebatassem e virassem minha vida de cabeça para baixo. Tive sim livros que fizeram com que eu reavaliasse o mundo que me rodeava e reavaliasse minha postura diante dos novos contextos que se apresentavam.
O gosto pelo livro fez com que eu não me apegasse a narrativas únicas, mas aos vários olhares sobre a realidade.
Então livros de cabeceira são aquelas obras que trouxeram algo de significativo em um determinado momento de vida. Eles nem sempre são clássicos ou campões de venda, mas contribuíram para a minha formação como pessoa e como profissional.
Vamos conhecer algumas dessas maravilhas?
Capitães da Areia: durante o tempo de universidade não tive oportunidade de presenciar discussões sobre a obra de Jorge Amado. Era tudo silêncio na academia, até mesmo para demonstrar pontos de fragilidade do autor. Daí eu ter conhecido o autor pela curiosidade, pois gostava do estilo como ele escrevia.
Foi então que li Capitães da Areia. Aquelas imagens dos meninos na rua até hoje pairam na minha cabeça. Percebo que o mundo não mudou muito quanto à questão social da criança e do adolescente no Brasil.
Eu me via naquele enredo e vinham lembranças dos vizinhos que não conseguiram chegar à fase adulta. Eu vivia na rua com aquelas crianças e minha mãe dizia que não desejava que eu fosse um Capital da Areia. Aquilo era estranho, pois muitos deles eram meus amigos nas diversas brincadeiras de rua.
Com Jorge Amado a ficção se confrontou com a realidade: existia mesmo a verossimilhança. Capitães da Areia era uma história que fazia parte do meu cotidiano, do que vivi, do que sorri, do que sofri.
A hora da estrela: Macabéa me incomodou muito. Uma mulher nordestina, fora dos padrões de beleza, que se aventurara a viver longe da terra natal. Ela iria ser a empregada doméstica, sem cheiro, sem gosto, sem destino, sem graça, sem vida.
O que eu desejava ler era a narrativa de uma mulher forte, bonita, inteligente, mas Clarice Lispector soube ir ao ápice da arte da escrita ao nos ofertar uma personagem tão cotidiana, tão o mesmo do mesmo.
Triste fim de Policarpo Quaresma: se Macabéa me incomodou imagine Policarpo! Como um homem poderia gostar do Brasil com tanto fervor? Como sonhar e tentar viver um país melhor? Como convidar os outros brasileiros a celebrarem o país, mesmo numa realidade enfadonha e perversa como a que ele viveu? Lima Barreto jogou em mim um balde de água bem gelada. Com ele pude entender que abaixo das terras das palmeiras, havia formigas para nos incomodar.
Memórias Póstumas de Brás Cubas: que coragem de um homem, que depois de morto, escreve e despe-se. Despe-se de tudo, fica nu diante da sociedade; assume-se nos mais recônditos dos sentimentos mesquinhos. E goza, e fala, e ri sob o nosso olhar atônito de leitor à procura de um herói. Machado de Assis conseguiu construir um dos mais emblemáticos personagens do realismo brasileiro.
Crônica de uma morte anunciada: primeiro assistir ao filme e fiquei muito comovido com a história. Motivado pelo arrebato dos movimentos da tela, movi-me em direção ao livro: comunidade sabe que haverá um assassinato, mas ninguém se mexe para impedir o crime. Até hoje me pergunto: o que move as pessoas?
Crônica é como se fosse um tratado de sociologia que nos mostra os contraditórios dos homens e das mulheres que vivem em sociedade.
Também a obra é uma reviravolta psicológica no ato de criação literária ao instaurar a perspectiva das lutas internas do ser diante dos jogos sociais moldados pelos costumes e pelas tradições. Valeu Gabriel Garcia Marques!
Pensou que acabou? Aguarde!
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