Café com Canela
trabalha com profundidade os símbolos e as representações sociais da cultura
baiana e mergulha no pensar e no sentir do self não normativo: da representação
social que vive na margem das discussões de intelecto e sobrevive sublimada nas
sociabilidades de classes da população baiana.
A simbologia do
filme é expressa por flores. Uma delas é Margarida, que também é o Café: negra de pela retinta, bem escura,
cheia de energia, mas que de repente se transforma em pó. O pó que não passa
mais no coador. E de molhado vai ressecando com as intempéries da vida.
Já Violeta, a outra
flor, passou por penúrias na vida e soube aprender com os exemplos de Café a se
tornar protagonista nos momentos de desespero da própria existência.
Violeta é a negra
cor de Canela, que subverte a vida de Café para redimensionar o destino das
duas. Afinal de contas todos carregamos
as dores do mundo.
"Você não sabe
da minha dor"
A ausência é um
sinal de nossa humanidade: o marido sente falta da esposa em estado de
depressão; a mãe sente a ausência do filho que não voltará mais; a discípula
sente saudade da mestra, que entrou em ebulição interior; o médico chora a
partida do marido, que era como um girassol a rodopiar no relacionamento não
hétero e não patriarcal.
E as flores formam o
símbolo da união de mestra e discípula, fazendo-as iniciar uma dança entre
pétalas e espinhos, pois o viver junto traz em si a responsabilidade pelo outro
e com tudo que advém das dores e dos prazeres do ato de conviver.
Não há panfletagem
nem estereótipos em Café com Canela, pois o olhar de quem narrou a história se
situa no lado de cada personagem, tentando perscrutar cada desejo e cada
angústia de cada ser; a história resgata o riso livre e descontraído de quem
fala e se instaura no mundo, ao mesmo tempo em que permite aos personagens
assumirem várias máscaras diante do adverso e do incontornável.
Outras sutilezas vão
desfilando na história: a bicicleta como persistência ante os infortúnios; os
movimentos das águas estimulando o silêncio diante de situações que reclamam
por gritos. Isto tudo com uma narrativa que nos convida a pensar o quanto precisamos
nos voltar para a história dos silenciados, em um exercício da escuta ativa que
nos faça vislumbrar outros mundos possíveis.
Café com Canela é
arquétipo do feminino: - quantos homens teriam tranquilidade de deixar as
esposas saírem para balada? - Quantos homens respeitariam o luto e a reclusão
da mulher amada?
Há cenas especiais
na história que as palavras aqui expressas não conseguirão descrever: como o jogo de cena das três portas abertas,
fisgando a atenção do espectador para o cotidiano da velha Cachoeira ou mesmo o
jogo de vozes entrecortadas das conversas do povo em gargalhadas,
desmistificando a ordem do turno de falas.
Precisa-se ver e
ouvir.
Café com canela é
discussão sobre sabedoria. Sabedoria que está nas entranhas da mulher do povo,
que se protagoniza a cada labuta que insurge dia a dia.
Café com Canela
representa uma outra forma de olhar o cinema.
Até a próxima!
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