9 de set. de 2018

Café com Canela

Foto Café com Canela



Café com Canela trabalha com profundidade os símbolos e as representações sociais da cultura baiana e mergulha no pensar e no sentir do self não normativo: da representação social que vive na margem das discussões de intelecto e sobrevive sublimada nas sociabilidades de classes da população baiana.

A simbologia do filme é expressa por flores. Uma delas é Margarida, que também é o    Café: negra de pela retinta, bem escura, cheia de energia, mas que de repente se transforma em pó. O pó que não passa mais no coador. E de molhado vai ressecando com as intempéries da vida.

Já Violeta, a outra flor, passou por penúrias na vida e soube aprender com os exemplos de Café a se tornar protagonista nos momentos de desespero da própria existência.

Violeta é a negra cor de Canela, que subverte a vida de Café para redimensionar o destino das duas.  Afinal de contas todos carregamos as dores do mundo.

"Você não sabe da minha dor"

A ausência é um sinal de nossa humanidade: o marido sente falta da esposa em estado de depressão; a mãe sente a ausência do filho que não voltará mais; a discípula sente saudade da mestra, que entrou em ebulição interior; o médico chora a partida do marido, que era como um girassol a rodopiar no relacionamento não hétero e não patriarcal.

E as flores formam o símbolo da união de mestra e discípula, fazendo-as iniciar uma dança entre pétalas e espinhos, pois o viver junto traz em si a responsabilidade pelo outro e com tudo que advém das dores e dos prazeres do ato de conviver.

Não há panfletagem nem estereótipos em Café com Canela, pois o olhar de quem narrou a história se situa no lado de cada personagem, tentando perscrutar cada desejo e cada angústia de cada ser; a história resgata o riso livre e descontraído de quem fala e se instaura no mundo, ao mesmo tempo em que permite aos personagens assumirem várias máscaras diante do adverso e do incontornável.

Outras sutilezas vão desfilando na história: a bicicleta como persistência ante os infortúnios; os movimentos das águas estimulando o silêncio diante de situações que reclamam por gritos. Isto tudo com uma narrativa que nos convida a pensar o quanto precisamos nos voltar para a história dos silenciados, em um exercício da escuta ativa que nos faça vislumbrar outros mundos possíveis.

Café com Canela é arquétipo do feminino: - quantos homens teriam tranquilidade de deixar as esposas saírem para balada? - Quantos homens respeitariam o luto e a reclusão da mulher amada?

Há cenas especiais na história que as palavras aqui expressas não conseguirão descrever:  como o jogo de cena das três portas abertas, fisgando a atenção do espectador para o cotidiano da velha Cachoeira ou mesmo o jogo de vozes entrecortadas das conversas do povo em gargalhadas, desmistificando a ordem do turno de falas.

Precisa-se ver e ouvir.

Café com canela é discussão sobre sabedoria. Sabedoria que está nas entranhas da mulher do povo, que se protagoniza a cada labuta que insurge dia a dia.

Café com Canela representa uma outra forma de olhar o cinema.

Até a próxima!

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