A caminhada
Era mais uma daquelas caminhadas
matinais, quando vi no canto do jardim, na praça, uma caixa de engraxate.
Engraxates eram trabalhadores que
lustravam sapatos. Eles eram parecidos com artesãos e deixavam os calçados de
couro mais brilhantes e bonitos. Também a maioria deles era formada por
profissionais autônomos, que empunhavam uma caixa nas costas e ia oferecendo os
serviços aos cidadãos que passavam. Alguns profissionais tinham um certo status
e possuíam uma cadeira feita exclusivamente para o serviço de engraxe.
Aquela caminhada me trouxe um
sentimento de nostalgia e me pus a pensar sobre como mutantes são as
profissões.
Mutações no Trabalho
Lembro que meu pai era alfaiate e
costurava para muitas pessoas que desejam ter uma calça exclusiva. Com o tempo
ele foi deixando a atividade, pois muitos clientes já não queriam mais
exclusividade; o negócio da vez eram as roupas industrializadas. Com as
mudanças, do ofício de alfaiate ele só fazia as calças dos filhos para estes
usarem na escola.
Hoje já não se usa o termo
alfaiate; as pessoas que costuram são chamadas de costureiras, e o fruto do
trabalho de alguns é chamado de alta costura.
Já não se ouve mais falar em
engraxates também. Em alguns hotéis ainda se acham máquinas de engraxar que
ficam na portaria à disposição dos hóspedes. Em algumas repartições públicas há
engraxates exclusivos para os funcionários lustrarem os sapatos (que luxo!).
Outra atividade que sofreu
mudanças significativas foi a de cozinheiro. Opa! Desculpe os profissionais da
área. Agora chamamos de Chef. A preparação da comida saiu da cozinha doméstica
e foi parar nos estúdios de TV. Os chefs adotaram o marketing como competência
de trabalho, assim como os costureiros, e vivem em disputas nos programas de
apresentações televisivas.
Lembram do datilógrafo? Na década
de 1980 os bons datilógrafos dominavam os escritórios. A onda das tecnologias
da informação e comunicação (TIC) chegou, e os profissionais das máquinas de
escrever deram lugar aos digitadores. Estes tiveram vida curta, cerca de 30
anos, e foram substituídos pelos profissionais dos sistemas "Office"
e por tecnologias que capturam textos de material impresso e transformam vozes
em documentos escritos eletrônicos. Globalizou.
Até medicina, engenharia e
direito tiveram partes das atividades absorvidas por (TIC). Muitos médicos só
conseguem apresentar diagnóstico depois da validação tecnológica; cálculos e
cálculos são realizados por computadores de ponta; processos jurídicos são
mapeados por sistemas de computação cognitiva.
Por falar em médico, antes quando
alguém tinha dores nas costas, procurava um clínico geral; depois passaram a
procurar um ortopedista; este era auxiliado por um fisioterapeuta; hoje quando
a gente liga para uma clínica de ortopedia e solicita uma consulta, a
atendente, um tanto preocupada, pergunta em
que ponto do corpo é a nossa dor, pois a ortopedia está
ultraespecializada, e os profissionais só atendem por subáreas de especialização:
ortopedia do ombro, da cervical, da vertebral, dos joelhos…
E o Futuro?
Aí eu volto pasmado para a
caminhada do início do texto e lembro da caixa de engraxate; e me pergunto:
onde está a pessoa que abandonou a própria ferramenta de trabalho? Como lidar
com as permanentes transformações do mundo do trabalho? Que caminhos devemos
trilhar para dar significado de vida a essa gente que viu a profissão se esvair
no mercado do negócio e da mudança?
Voltei para casa, peguei escova
e pasta de sapato e lustrei o velho e bom calçado, pensando no que permanece
nas coisas que faço e o que terei de mudar para viver e sobreviver no mercado
de trabalho.
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