25 de fev. de 2018

Caixa de Engraxate



A caminhada

Era mais uma daquelas caminhadas matinais, quando vi no canto do jardim, na praça, uma caixa de engraxate.

Engraxates eram trabalhadores que lustravam sapatos. Eles eram parecidos com artesãos e deixavam os calçados de couro mais brilhantes e bonitos. Também a maioria deles era formada por profissionais autônomos, que empunhavam uma caixa nas costas e ia oferecendo os serviços aos cidadãos que passavam. Alguns profissionais tinham um certo status e possuíam uma cadeira feita exclusivamente para o serviço de engraxe.

Aquela caminhada me trouxe um sentimento de nostalgia e me pus a pensar sobre como mutantes são as profissões.


Mutações no Trabalho

Lembro que meu pai era alfaiate e costurava para muitas pessoas que desejam ter uma calça exclusiva. Com o tempo ele foi deixando a atividade, pois muitos clientes já não queriam mais exclusividade; o negócio da vez eram as roupas industrializadas. Com as mudanças, do ofício de alfaiate ele só fazia as calças dos filhos para estes usarem na escola.



Hoje já não se usa o termo alfaiate; as pessoas que costuram são chamadas de costureiras, e o fruto do trabalho de alguns é chamado de alta costura.

Já não se ouve mais falar em engraxates também. Em alguns hotéis ainda se acham máquinas de engraxar que ficam na portaria à disposição dos hóspedes. Em algumas repartições públicas há engraxates exclusivos para os funcionários lustrarem os sapatos (que luxo!).

Outra atividade que sofreu mudanças significativas foi a de cozinheiro. Opa! Desculpe os profissionais da área. Agora chamamos de Chef. A preparação da comida saiu da cozinha doméstica e foi parar nos estúdios de TV. Os chefs adotaram o marketing como competência de trabalho, assim como os costureiros, e vivem em disputas nos programas de apresentações televisivas.

Lembram do datilógrafo? Na década de 1980 os bons datilógrafos dominavam os escritórios. A onda das tecnologias da informação e comunicação (TIC) chegou, e os profissionais das máquinas de escrever deram lugar aos digitadores. Estes tiveram vida curta, cerca de 30 anos, e foram substituídos pelos profissionais dos sistemas "Office" e por tecnologias que capturam textos de material impresso e transformam vozes em documentos escritos eletrônicos. Globalizou.

Até medicina, engenharia e direito tiveram partes das atividades absorvidas por (TIC). Muitos médicos só conseguem apresentar diagnóstico depois da validação tecnológica; cálculos e cálculos são realizados por computadores de ponta; processos jurídicos são mapeados por sistemas de computação cognitiva.

Por falar em médico, antes quando alguém tinha dores nas costas, procurava um clínico geral; depois passaram a procurar um ortopedista; este era auxiliado por um fisioterapeuta; hoje quando a gente liga para uma clínica de ortopedia e solicita uma consulta, a atendente, um tanto preocupada, pergunta em  que ponto do corpo é a nossa dor, pois a ortopedia está ultraespecializada, e os profissionais só atendem por subáreas de especialização: ortopedia do ombro, da cervical, da vertebral, dos joelhos…



E o Futuro?

Aí eu volto pasmado para a caminhada do início do texto e lembro da caixa de engraxate; e me pergunto: onde está a pessoa que abandonou a própria ferramenta de trabalho? Como lidar com as permanentes transformações do mundo do trabalho? Que caminhos devemos trilhar para dar significado de vida a essa gente que viu a profissão se esvair no mercado do negócio e da mudança?

Voltei para casa, peguei escova e pasta de sapato e lustrei o velho e bom calçado, pensando no que permanece nas coisas que faço e o que terei de mudar para viver e sobreviver no mercado de trabalho.

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